sexta-feira, 17 de abril de 2009

conto : LOCUTOR



Todas as madrugadas era a mesma coisa,os moradores da casa iam dormir e Lara ficava acordada para escutar “romântica madrugada”,programa de rádio que passava nas alvoradas semanais com o locutor Sergio Meneses.E era justamente por causa dele que Lara acordava com olheiras,morta de sono e sem nenhuma disposição para estudar.Adorava aquela voz,a forma como parecia que ele falava com ela e só pra ela,e enquanto ouvia as músicas imaginava as características de um homem com voz tão forte,mas ao mesmo tempo doce, grave,talvez sexy e extremamente penetrante.Ah se ela pudesse,viveria só para escutá-lo ,todas as horas,os minutos e os segundos do dia,pena que todas as vezes que abstraia-se em devaneios,sua mãe a puxava de volta ao mundo real.

“ta fazendo o que ai menina?”perguntava ela quando levantava da cama para ir ao banheiro

“nada mãe,só estou ouvindo um pouquinho de musica,pra relaxar.”

“desliga isso criatura,ta tarde.Amanha não vai querer ir para a escola.Quando eu voltar do banheiro quero você já no quinto sono”finalizava a mãe com certa impaciência na voz.

Nesse momento,Lara desligava o rádio e ia dormir,dependendo do dia ate chorava por não ter escutado o programa até o final,mas não desistia porque sabia que no outro dia ouviria “romântica madrugada”.
Na manhã seguinte ficava conversando com as amigas isso e aquilo do locutor Sérgio Meneses, davam mil e uma características. Umas diziam que ele era alto,olhos verdes e cabelos penteados para trás com gel,já outra descrevia um Sergio Meneses total mente diferente,de cabelos cacheados,moreno e olhos castanhos , forte e de estatura mediana.Lara também imaginava como ele poderia ser,já imaginou de varias formas,em sua cabeça existiam muitos sergio’s,dependia do dia ,do momento e da musica.

Um dia Ró ,sua amiga de muito tempo,lhe deu uma idéia, ligar para o programa e conversar com o locutor,Lara achou a idéia interessante;no começo um pouco tímida , mas depois passou a ligar quase todos os dias.Em principio só pedia musicas,e depois foram as indiretas,dizia que era para uma pessoa muito especial de belíssima voz ,enfim, trocaram telefones(celular)até que abriu o jogo e eles marcaram um encontro.

Passada uma semana finalmente encontraria um homem totalmente desconhecido mas ao mesmo tempo tão familiar.Pensava mil coisas de uma só vez,que ele poderia ser bem mais velho , a chamasse de “pirralha” ou coisas do tipo.Porém , lembrava-se da voz tão educada e doce que conversara algumas vezes ao telefone e esquecia todas as besteiras da sua cabeça.Combinaram o encontro em uma lanchonete famosa no centro da cidade,bem bonitinha,porém seus amigos pouco a freqüentavam(melhor assim).Ele iria de calça branca e blusa vermelha e ela de vestido floral.Não queria mais informações,contava com a surpresa e a sorte.

Ao descer do ônibus fez o sinal da cruz,nunca fazia isso,nem acreditava nessas coisas de igreja e religião,mas sentiu vontade e fez!Entrou na lanchonete no horário pontualmente marcado;passou o olhar em todas as mesas a procura de um homem de blusa vermelha e calça branca,viu um com esses trajes que parecia ser o gerente do lugar,um outro baixinho sem graça que estava sentado no balcão e por fim um homem que já estava acompanhado,”então”, pensou Lara ,”Ele ainda não chegara”.Resolveu sentar-se em uma mesa no canto com vista para a entrada podendo ,assim, ver melhor seu ídolo(paixão).De repente eis que surge um homem extremamente charmoso na porta,alto,olhos azuis , cabelos compridos e bem penteados ,de blusa vermelha e calça...pérola, “quase branca”,pensa ela com o coração batendo forte.Entretanto, ao invés do rapaz maravilhoso se encaminhar em sua direção ,quem sai na frente é o baixinho mirrado sentado no balcão ,ela não sentiria sua presença se não fosse por um detalhe, “Lara” ele lhe fala com a voz que ela venera.Com uma expressão de incredulidade a menina se vira para o homem e nada diz,não tem voz!apenas o analisa : baixo,cabelo curto( sem corte definido),boca rasgada e os olhos...eles eram realmente verdes,mas estes não possuíam expressão.Lara o definiu com um nada!um nada que não merecia atenção.Olhou novamente para o outro lado procurando o lindo homem que adentrara a pouco o restaurante,e o viu encaminhar-se para outra mesa.Olhou de volta para o homem(ou quase homem) a sua frente e teve grande vontade de chorar,mas não disse nada.Ele perguntou se podia sentar-se,perguntou com a voz do Sergio,mas definitivamente não era o Sérgio!Pelo menos não o Sérgio dela,era totalmente surreal ,parecia dublado . Ela apenas afirmou com a cabeça que sim, fazendo tremendo esforço.Depois disso Trocaram poucas palavras,Lara pediu uma suco de laranja - que não “descia” - e ele uma cerveja americana.O rapaz fez algumas perguntas ,Lara limitava-se a responder “sim” ou “não”,e nada perguntava de volta.Por fim se despediram com extrema formalidade e a garota voltou arrasada pra casa ,trancou-se em seu quarto e chorou como nunca havia antes chorado.

Foi um grande baque para aquela menina tão nova e com tantas expectativas.Depois desse dia ela nunca mais escutou o “romântica madrugada“ ,com Sergio Meneses.Acho que ela nunca mais ligou o radio,é o que dizem,ficou profundamente sentida.


A ideia surgiu rapidamente ,percebi que ali ,naquele momento poderia criar e recriar prosas ,inspirada em pessoas reais - amigas, inimigas,admiradas - ou simplesmente inventadas.Foi-me entregue a chave do portal, onde existe o planeta do fantástico , do dramático e do feliz.
um dos primeiros contos,uma das primairas soluçoes...


Camila Marinho

2 comentários:

  1. Duas mentes pensantes, pensamentos brilhantes, o que deveria esperar se não versos, estrofes e textos estonteantes!
    Vocês duas estão de parabéns, ótimo início com o sugestivo título "Coacervados" (MANDINHAAAAA), e mantiveram o nível com o sensível e verossímil conto "O Locutor" aqui exposto...
    Beijos sou o fã nº2 (Já que Eneyle é a nº1)!

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  2. Eita.
    Eu comentei a "pequena confissão" e depois comecei a explorar este blog e eis que encontro o que algo tanto significou para mim durante anos: a folha de Plátano. Ainda hoje pensei num quadro que desenhei há uns 10 anos e é tal e qual a foto da folha de Plátano acima. E eu chamo-me Sérgio!!! Meus dados estão no comentário à "pequena confissão". Estou a encontrar imensas coincidências. Alguém me pode elucidar?

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